E só, voou.







Sempre soube que nasceu pra voar só.

Nunca se encaixara nos lugares, ou com os outros pássaros.
Sabia que sua estrada era terrivelmente solitária.
Uma vida sabendo disso: já havia de acostumado e até feito da solidão uma amiga.
Mas, num dia qualquer, como uma brisa fresca e suave, aquelas que bate no rosto em um momento inesperado e tem cheiro de vida, ele apareceu.
“Que lindas asas ele tem!”
Espero um dia ter asas bonitas assim também.”
O céu que ela queria conquistar, ele parecia já conhecer.
E, de repente, o pássaro solitário não quis mais estar só.
Quis acompanhá-lo.

A cada dia seu coração se enchia mais de alegria.
Suas asas começaram a adquirir cores novas, vibrantes e bonitas.
Descobriu coisas que jamais pensou existir.
Sobre si, sobre o mundo.
Descobriu o amor.
Pensava que um dia ele a notaria ali também.
Que um dia veria todas as novas cores de suas asas.
Cores que surgiram por causa dele.

E, num dia em que a brisa era fresca e leve também, tomou coragem e o mostrou.
Mostrou o azul-céu.
O verde cintilante.
O rosa avermelhado.
Amarelo ouro.
Violeta.
Mostrou como suas asas haviam crescido. Se desenvolvido.
Mostrou o quanto queria voar junto com ele.
Suas verdades mais profundas.

O que ela não esperava é que ele era cego. Terrivelmente cego.
De corpo e alma. Por ela.

Vendo que ele não a queria ver, fechou-se em si.
“O que eu fiz de errado?
Por que ele não consegue me enxergar? Voar comigo?”
Sentiu a brisa do dia levar um pedaço dela embora.

Os dias se passaram.
As cores de suas asas eram as mesmas,
Mas não eram mais vibrantes.
Seus olhos escondiam uma desolação.
E quando tentava levantar voo, o pedaço que havia sido arrancado pela brisa latejava.
“Além de voltar a voar só
Terei que voar sem um pedaço de mim?”

E num dia ensolarado viu o pássaro enxergando.
Tinha asas lindas, cores mais brilhantes, e mais desenvolvidas.
Reluzentes o suficiente pra despertar a visão do pássaro novamente. Alguém que valia a pena ser enxergado.

Sentiu-se tola por ter se permitido sentir.
Por ter acreditado que um dia pudesse ser, finalmente, notável.

E, esperando que um dia a mesma brisa que levou embora seu pedaço fosse o devolver
Levantou voo
“Quem nasceu pra ser só, morrerá só”
E só, voou.