Um pequeno lembrete: libertar-me.


Ela pôs-se de pé, com dificuldade. Seus olhos ardiam pelo tanto de lágrimas despejadas por eles durante a noite. Para quem a assistia, parecia estar acabando de acordar. Para ela, parecia estar dentro de um pesadelo ainda.
Sem pregar um olho a noite inteira, sentia-se moída, dolorida, acabada. E não havia quaisquer motivo para tal sensação - ela apenas sentia-se assim.
Era irrelevante ela analisar sua mente em busca de porquês. Ela simplesmente não conseguia encontrar resposta sobre nada. "Por que estou chorando dessa vez?", se perguntava de meia em meia hora durante toda noite, assim que um choro se cessava, dando abertura para que outro começasse. E ela nunca obtinha a resposta tão preciosa.
"Talvez eu nasci para ser infeliz", pensava, sem entender o porquê isso acontecera logo com ela.
Ela tinha uma religião. Ela tinha um marido. Ela tinha filhos. Ela tinha um emprego. Não era esse o necessário para ser feliz? Não era? 
Mas não era o suficiente. E a cada lamúria, ela tornava-se a questionar até aonde ela iria suportar essa dor inexplicável que habitava seu frágil e torto coração. 

A mulher de cabelos castanhos, cara abatida e pés descalços foi se arrastando pelo piso frio de madeira, sem saber nem para aonde estava se dirigindo. A única coisa que ela sabia é que finalmente as lágrimas haviam se cessado. E dessa vez, não houve outras em seguidas. Elas realmente pararam. 
Ela não estava entendendo, mas pela primeira vez, não procurou entender. Só se arrastou para onde suas pernas estavam lhe levando.

Foi como se durante o trajeto inteiro ela estivesse vendada. Não tinha total ideia de onde estava, de onde estava indo, do porquê disso tudo. Só voltou a consciência quando sentiu o cheiro de maresia inundando suas narinas. Aquele cheiro. Ele lhe lembrou algo. Algo que estava adormecido dentro dela. 

Vida.

Vida. Sim, vida. Ela ficou estagnada, olhando o mar. De repente, seus lábios se curvaram levemente para cima, dando a impressão de, talvez, um futuro sorriso. Lentamente o futuro sorriso foi se mostrando. Até virar um sorriso completo, com direito a mostra de dentes e gengivas. Até se tornar uma gargalhada alta. Até se tornar uma gargalhada histérica.

Enquanto ria sem saber o porque, sentiu medo. Sentiu medo da histeria se tornar uma enxurrada de lágrimas novamente. Então começou a correr em direção a água, correu o mais rápido que pode, e quando seus pés tocaram a água fria, sentiu vontade de afundar-se lá. Era como se o mar fosse curá-la por completo. Como se ele fosse parte dela, a parte que estava faltando e que causava tanta angústia e, por que não, saudade.

Afundou-se no mar, como se o mundo pudesse acabar a qualquer momento. Não teve vontade de se levantar. Teve vontade de manter-se ali, intacta, imune a tudo que o mundo lá fora lhe reservava. Mas, de repente, o mar levou-a de volta a superfície. E assim que ela abriu os olhos deu de cara com algo que ela não via a muito tempo. O mundo.

Finalmente ela conseguiu a resposta que tanto queria. Ela percebeu que havia parado de dar valor as coisas simples. Percebeu que havia parado de olhar o mundo. E por um momento, ela sentiu-se feliz por estar viva, e por ter o mundo.

Por que, mesmo não sendo perfeito, era lá que ela queria ficar. Pelo menos naquele momento.

E foi assim que a mulher infeliz tomou outro rumo, por conta própria.


Lembre-se. A vida é longa. Ás vezes, traçamos caminhos que parecem sem voltas, mas não é bem assim. Não há regras. Não há manual de instruções. Mesmo que pareça tarde demais, sempre há uma forma de recomeçar. Pode não ser da forma que você deseja. Pode não ser da forma que os outros julgam certo. Mas você deve parar para refletir - eu tenho obrigação de fazer alguém, além de mim mesmo, feliz?
Quando você encontrar a resposta pra isso, encontrar de verdade, conhecerá a verdadeira liberdade. A liberdade do espírito.